Assessoria de cobrança 'suja' nome de consumidores na tentativa de receber por débitos inexistentes
No fim de janeiro, Leonardo Santiago foi surpreendido por uma carta da Serasa. O comunicado informava que, em razão de uma dívida no valor de R$ 822,64, a empresa de cobrança Unidas AC Assessoria havia solicitado a inclusão do nome dele no cadastro negativo do órgão de proteção ao crédito. Como o consumidor não havia feito nenhuma compra naquele valor e, ao entrar em contato com a empresa, estranhou os procedimentos adotados pela atendente, desconfiou que havia sido vítima de um golpe.
- Ao informar à atendente da Unidas o número do meu celular, ela também queria saber qual era a operadora. Desconfiei da pergunta. Ao questioná-la, começou a gaguejar e demonstrar insegurança na voz. Pedi o número do CNPJ da empresa. Ela pediu para eu aguardar apenas "um instante" e desligou a ligação - conta Santiago.
O consumidor estava certo. Casos denunciando a assessoria de cobrança Unidas AC, por tentativa de receber de consumidores valores referentes a dívidas inexistentes como condição para não entrarem em bancos de dados de devedores, acumulam dezenas de queixas em sites de reclamações e Procons. Entre 1º de janeiro do ano passado e 27 março deste ano, 11 reclamações contra a Unidas referentes a cobrança indevida e negativação de nome foram registradas em Procons dos estados de Rio, Minas Gerais e Santa Catarina. Os dados são do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) do Ministério da Justiça.
Por suspeitar da fraude, desde 28 de fevereiro, a Serasa cancelou o contrato que tinha com a Unidas AC e informou, em nota, que está "avaliando providências legais" a serem tomadas. Dessa forma, não aceita mais a inclusão do nome de nenhum consumidor pela empresa em seu banco de dados de devedores. Parte das vítimas conseguiu descobrir a farsa antes de pagar a dívida falsa cobrada pela assessoria de cobrança.
Sistemas são monitorados
Tanto a Serasa quanto o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) informam que notificam o consumidor apenas por meio comunicado enviado pelos Correios. O documento tem como remetente o órgão de proteção ao crédito, nunca um terceiro. A carta, acrescentam as duas entidades, informa o prazo que se tem, a partir da postagem, para entrar em contato diretamente com o credor, pagar o débito e regularizar a situação. A notificação é prevista pelo artigo 43, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
- Em nenhuma hipótese, o SCP permite que outra empresa envie esse comunicado. Pode ocorrer de a própria empresa com a qual se contraiu o débito enviar carta, mas, mesmo assim, o SPC faz a comunicação - esclarece Nival Martins, superintendente do órgão.
A coordenadora do Núcleo do Superendividamento do Procon-SP, Vera Remedi, orienta o consumidor que recebe a carta a verificar três informações para se certificar da existência da dívida: a origem dela, ligando para o credor; o valor do débito e o contrato da compra. Ao perceber que a dívida não existe, o consumidor deve contestar no órgão de proteção ao crédito a sua inclusão na lista de devedores.
- O que de forma alguma se deve fazer é, num impulso, ao ver o nome vinculado à Serasa ou ao SPC, correr e pagar a dívida sem ter certeza de que ela realmente existe e está sendo cobrada pelo credor original. Pois, depois de paga, se for golpe não há como reaver o dinheiro - alerta Vera.
Apesar de ser comum o relato de consumidores que sofreram golpes ou tentativas usando os dois órgãos de proteção ao crédito, nenhuma das duas entidades informou a quantidade de casos que já apuraram nesse sentido. SPC e Serasa explicaram, no entanto,que as empresas com as quais mantêm contrato só podem acessar o sistema de informações para inclusão ou exclusão de consumidores mediante preenchimento de senhas e logins. Todas as movimentações são gravadas para consulta posterior.
- Quando o golpe é dado pela internet, o que é mais comum, é mais difícil de rastrear a origem porque geralmente é muito bem feito. Por isso, a pessoa que receber um e-mail dizendo que tem dívida com o SPC não deve clicar em link nenhum, porque pode se tratar de um vírus ou de um mecanismo para roubar dados pessoais - orienta Martins.
Para testar o golpe, a repórter ligou na segunda-feira para a Unidas AC Assessoria e informou ter recebido carta sobre inclusão de nome no cadastro de devedores da Serasa. Uma atendente informou que, para que a origem da dívida fosse localizada, era preciso informar o CPF. Depois disso, um outro funcionário entraria em contato para repassar a informação. Ao ser perguntada sobre a quem o pagamento da dívida deveria ser feito, a funcionária informou que à Unidas. Mas disse desconhecer se o montante seria repassado ao credor pela assessoria.
Ontem, a repórter voltou a entrar em contato com a empresa - cuja sede informada à Receita Federal fica no bairro São Domingos, na capital paulista -, mas, desta vez, em nome do GLOBO, solicitando que se manifestasse sobre as denúncias de fraude. No entanto, em quatro conversas telefônicas a atendente informou que não havia ninguém da gerência para tratar do assunto. E, ao ser indagada sobre um outro canal de comunicação com a direção, cortou a ligação em todas as tentativas.
Fonte: O Globo
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